29 de março de 2024
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José Sarney – Ex-presidente da República

Nada mais fácil do que equivocar-se. É, ao mesmo tempo, uma razão natural e uma escapatória. Quanto a mim, cometo menos e sou alvo demais.

Presidente da República, os equívocos começaram com o meu Sarney, que passou 55 anos em berço esplêndido de tranquilidade e ninguém quis saber de onde vinha e para onde ia. Começaram por construir versões, umas de que era Sir Ney, que meu avô atrasado tinha feito a construção de um novo nome. Outro, que se dizia mais informado, afirmava que o Sarney nada mais era do que Barney -e o escrivão na certidão de nascimento tinha trocado o B pelo S e daí saiu o nome. Nenhum deles sabia de minha origem nobre, de uma ascendência de sangue azul, que meu avô José Adriano inaugurou com o “Almanaque de Bristol”, de 1901, que divulgava remédios milagrosos contra o “estupor do fígado”, em que estava a história de um menino que sabia a Bíblia de cor e que era capaz de recitá-la de memória.

O velho Adriano resolveu colocar no primogênito, que nasceria em setembro, esse nome, Sarney, garimpado no almanaque, que passou a ser de família e hoje somos muitos, com pecados e virtudes, como todos os homens.

Outro dia, abrindo meu endereço eletrônico, mostrando que não sou um joão-ninguém, prova de status e de modernidade, encontrei um parente Sarney na Austrália, pedindo-me que lhe informasse como a nossa família Sarney havia chegado ao Brasil, quais os ascendentes. Não quis decepcioná-lo dizendo que fora através de um velho almanaque, mas recebi dele informações preciosas sobre meus “ancestrais”, originários da Irlanda, nome retirado de uma vila, uma tal Carny, que veio a dar Sarney. Na internet temos mais de cem sites com Sarney espalhados pelo mundo afora. Vejam o que a sociedade globalizada da internet faz.

Mas os equívocos não ficam aí. Quando assumi a Presidência da República, um jornal de Los Angeles, que recebera uma foto minha com o fardão da Academia Brasileira de Letras, publicou-a com a legenda: “Mais um marechal na América Latina”. E agora um amigo me remete a enciclopédia de biografias de Cambridge e lá está o filho de dona Kyola com um verbete que é um primor de exatidão: “Sarney, José soldier (soldado), president of Brazil, 1985-1990”. E depois vêm minhas virtudes militares, sem falar na participação heróica na Segunda Guerra Mundial, como menino voluntário na Base Aérea de São Luís do Maranhão, em 1945.

E, assim, formam-se verdades que são mentiras, mas que têm a abonação das coisas não-exatas.

Foi assim quando tomaram como fato mais que verdadeiro ter eu feito tudo para aumentar meu mandato de quatro para cinco anos, quando, na realidade eu fui empossado, com direito a ata assinada pelo dr. Ulysses, presidente da Câmara, dizendo que “fora eleito até março de 1991”. Eu abdiquei de um ano e criaram a lenda de que tinha lutado por mais um, num jogo de toma lá, dá cá, quando, na realidade, só fui tomado.

São equívocos e versões transformadas em fatos. A única esperança é o tempo, que não restaura a verdade, mas constrói o esquecimento. Enquanto isso, Sir Ney sobrevive.

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