23 de abril de 2024
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José Sarney – Ex-Presidente da República

O Brasil saiu das eleições de 2014 numa situação que poucas vezes atravessara: dividido, e, ainda mais, numa situação de radicalismo e intolerância que em alguns momentos descambava para o ódio.

Nossa tradição era — devemos dizer que é — de tolerância e convivência entre adversários. Tancredo Neves tinha como grande ídolo o Marquês do Paraná, Honório Hermeto Carneiro Leão, que construiu o Ministério da Conciliação, reunindo conservadores e liberais. E essa conciliação foi feita por grandes brasileiros, como Nabuco de Araújo, autor de um discurso admirável, o da Ponte de Ouro, em que dizia que uns e outros deviam abrir mão das diferenças para encontrar o terreno comum do interesse do País.

A sentença conhecida, que pretendia afirmar a identidade de maus hábitos políticos, dizia “não há nada mais parecido com um saquarema (conservador) que um luzia (liberal) no poder”. A verdade é que a derrubada, feita pelo Imperador, de um partido, e sua substituição pelo outro, dizia respeito ao sistema eleitoral, que levou à constante busca de reformas que durou até à queda do Império, mas encontrava uma realidade mais forte, que era a necessidade de executar o programa que estava maduro, o programa do outro. Assim, por exemplo, a maior causa liberal, a dos negros, foi levada avante por gabinetes conservadores.

O espírito que vimos sair das últimas eleições foi o contrário disso. Se o outro pensava, era ruim. Se o outro sugeria, era preciso derrubar. Se o outro fazia, era preciso desfazer. As famílias se fragmentavam, irmãos, pais e filhos, deixavam de se falar. Nas mídias sociais, as pessoas desconectavam os que pensavam diferentemente, e ficavam falando para si mesmo, sem ouvir outras opiniões. Prevalecia o insulto sobre o argumento.

O resultado inevitável foi a desesperança. As pessoas deixaram de acreditar nos mais próximos, na comunidade, nos amigos, na política, na sociedade. O Brasil meteu-se ladeira abaixo. Foram os tempos terríveis de que estamos saindo.

Renasce a esperança. A maior parte dos brasileiros procura caminhos comuns. Começamos a ver uma luz.

Mas nosso caminho ladeira acima será difícil, e temos que ter consciência disso para que não esperemos resultados impossíveis. O buraco do orçamento é alarmante, provavelmente teremos um déficit de 200 bilhões no fim do ano. O desemprego está em alturas nunca vistas — entre os jovens está na casa de 24% (só para dar uma referência, no meu governo foi inferior a 4%).

Vamos avançar na reconstrução de um país unido, que supera as diferenças, recupera sua economia, resolve os problemas sociais — as crises gravíssimas da educação, da saúde, da segurança —, reencontra o espaço do convívio humano, das famílias e das comunidades, e reconstrói seu futuro.

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