29 de março de 2024
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José Sarney – Ex-Presidente do Brasil –

Durante meus sessenta e tantos anos de vida pública, a palavra que eu mais ouvi foi realmente Reforma. Mais isso não aconteceu só durante o tempo em que vivo. Abro os livros que li sobre história política e verifico novamente que não é uma palavra de agora. Ela resiste há séculos e o próprio Partido Comunista, quando estava no seu auge, já se dividia na luta entre Rosa Luxemburgo e Bernstein, na luta sobre quem devia tomar os rumos da nova ideologia. Reforma como antítese da Revolução. Rosa, La Roja, radical e intransigente, que morreu assassinada em circunstâncias misteriosas, de um lado, e seu contendor de outro, a defender mudanças que garantissem a sobrevivência do Partido.

Aqui mesmo no Brasil, durante o Império, o que mais se ouvia era a palavra Reforma. Nabuco, então — não o filho, mas o pai, o Conselheiro Nabuco de Araújo —, ao fundar o Centro Liberal, lançou o grande desafio para salvar o Império e o Brasil: “Reforma ou Revolução”, o mesmo slogan que seria usado trinta anos mais tarde pela socialista.

Jango ficou enrolado nessa questão e com ele a palavra Reforma — acrescentada da qualificação “de Base” — passou a ser, não a antítese de Revolução, mas a própria Revolução Comunista. Por isso terminou sendo deposto, livrando o Brasil do perigo vermelho!

Na democratização da Reforma, esta tornou-se, como se dizia do chá de pau-d`arco-roxo, o remédio que curava tudo. Lembro-me bem que o comício célebre de 13 de maio, em frente ao Ministério da Guerra, estopim de 64, foi chamado “o Comício das Reformas”.

Já para os militares a palavra passou a ser um fantasma aterrador, porque militar reformado passa a ser “de pijama” e fica sem prestígio.

Eu, para superar o terror da expressão Reforma Agrária, coloquei no ministério o nome de “da Reforma Agrária” e por isso fui chamado de comuna.

Agora vivemos de novo o ciclo das reformas, palavra que Fernando Henrique não quis usar e substituiu por flexibilização. E o Temer quer caracterizar o seu governo como o “Das Reformas” e por isso está pagando um preço altíssimo.

Estamos em pleno mar das reformas. É reforma para todo lado, trabalhista, política, previdenciária, da Cúria Romana, do samba-enredo, da administração, do ensino médio, do Enem, do biquíni, da bolsa de valores. Todo jornal, toda revista, toda programação de TV está sempre buscando uma reforma. Tudo tem que ser reformado. Passou da política, cruzou as igrejas e agora é de tudo.

Até minha mulher quis reformar as estantes de minha biblioteca, que julgou velhas e feias. Foi uma briga danada e finquei pé no lado antirreformista.

Mas não fiquei cantando de galo, pois ela me disse: “Então vamos reformar os móveis da sala!…”

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